segunda-feira, 11 de abril de 2005

Inter rail

Saímos pela manhã armados até aos dentes com o essencial para o inter-rail: Mochila, bilhete com direito a viajar de comboio durante um mês pela Europa, e dinheiro para gastos.
Aquela marmita térmica foi um mau presságio, não que eu acredite nessas coisas, mas não gostei nada de vê-la rolar na plataforma ao romper-se a pega ainda não tínhamos posto o pé no primeiro comboio.
Com tantos vagões, com tanta carga, sonolento, lá conseguiu descolar pela linha fora em direcção a Paris. O entusiasmo começo a vislumbrar-se com a entrada em Espanha e o desbravar de milhas de planície a perder de vista douradas pelo sol. De longe a longe víamos conjuntos de enormes cilindros de feno e as ceifeiras mecânicas a pintalgar aqui e acolá perdidas na indefinição do calor.
A noite caiu, as luzes acenderam e o devorador de milhas sempre em marcha. Entre gargalhas, choros de bebé, discussões de excesso de cerveja, dormiu-se aos bochechos alternados com receio de sermos assaltados antes do tempo enquanto dormíssemos. A meio da noite já não havia posição confortável prazerosa além de um minuto.
Nascia o dia em Paris entrávamos na estação que nem um relógio suíço.
O nosso destino era Heilbron perto de Stuttgart na Alemanha antes de descermos para o mediterrâneo – sul de Itália, ilhas gregas, onde o vento nos levasse. A Né deixou aos sete anos a Alemanha para regressar a Portugal por vontade do pai para ingressar na escola primária. A vontade de regressar às raízes, regressar à terra natal está escrito no código genético do ser humano e haveria que rever o local da infância, rever a Tante (tia) Rose como carinhosamente era tratada a proprietária da casa onde viveram.
Fizemos um pequeno programa para ficar o dia e pernoitar em Paris. A indispensável visita ao Notre Dame, Sacré-Coeur, passeio no Champs-Elysee e no Pigalle, visitar a Tour Eiffel ... Esta última ficou-se por uma visita ao sopé porque a fila de espera era de tal tamanho que nem pusemos a hipótese de esperar.
Dormimos numa pensão rasca ali mesmo ao lado do Moulin Rouge, o famoso cabaret sobejamente conhecido pelos espectáculos eróticos cuja admissão estava completamente fora do orçamento do nosso bolso com carteira de campista internacional.
Aqueles dois dias passaram num rufo com cansaço imposto pelas mochilas que pesavam uma tonelada e pela alimentação de lata de conserva.
Zarpamos ao fim da tarde em direcção a Stuttgart. Chegamos a Heilbron a noite caía. A hipótese de dormir na estação de comboios estava posta de parte, já estavam a encerrar a estação.
Saímos com orientação da Né, coisa que é preciso ter imensa precaução dada as suas habilitações nesta matéria, os candeeiros já tinha acendido, as ruas desertas, encontramos dois ou três bares/restaurante abertos num ambiente extremamente sossegado.
Encontramos um hall de entrada exterior de um edifício com um utente e decidimos fazer-lhe companhia durante aquela noite.
Quando acordamos o nosso vizinho já tinha retomado a sua viagem. Lavamos a cara com água mineral e partimos à busca de pequeno almoço. Encontrámos um mini-mercado aberto onde compramos leite do dia e uns iogurtes que não necessitavam de refrigeração.
“Svai” tickets, no melhor alemão de estrangeiro para pedir dois bilhetes, seguimos em direcção à casa onde a Né morou durante sete anos. A emoção estava no ar.
Chamámos, já nem sei em que termos, e no topo das escadas exteriores apareceu uma senhora com os seus sessenta anos bem conservados que em resposta à pergunta Tante ?... logo exclamou Mánuélá !!! ... Mánuélá !!! ... convidou-nos a subir ao primeiro andar onde ficaram durante alguns minutos num diálogo de olhares, monossílabas e olhos rasos de água.