quinta-feira, 29 de janeiro de 2004

Pode ser pior? Pode:

Você já acorda atrasada, e em vez de calçar o chinelo dá uma topada com o dedinho do pé no canto da cama. Dói. Dói tanto que você faz uma regressão instantânea às suas três últimas encarnações.

Ato contínuo, escorrega no banheiro que ele deixou inundado. Adrenalina ao acordar. A pasta de dentes invariavelmente destampada, criou uma crosta dura. Se o tubo não arrebentar atrás, você pode fazer inveja às amigas com seu novo espelho texturizado. Se arrebentou, você pode encarar raspar a pasta caída ou na pia ou no pijama e mandar ver, ou não. Os dentes são seus, mas a sujeira deixada na pia, não.

Cafés da manhã cinematográficos são pra você isso mesmo: de cinema. Sua realidade é leite será-que-tá-azedo, café instantâneo, e qualquer coisa pra roer. Pão duro ou biscoitos moles. Isso se você tivesse tempo. Não tem. Atrasada.

Pelo menos seu carro não está bloqueado na garagem. Feliz? Esqueça. Você vai de ônibus. Você não tem carro.

Está chovendo. A barra das suas calças estão úmidas. Seu cabelo despencou. Se você fez chapinha, agora está um poodle. Se você era crespa, agora tá parecendo o Ronaldinho Gaúcho. Venta, e você tem que arrumar o guarda-chuva que vira do avesso o tempo todo. Inevitavelmente um carro passa rápido sobre uma poça. A vítima encharcada? Você.

O ônibus chega. Calvário coletivo. Lotado. Uma parada e duas encoxadas depois, um lugar fica vago, e você literalmente se atira nele. Você não sabe o que te incomoda mais: juntar seus papéis que caíram no chão sujo do ônibus; o bafo de cana do sujeito que resolveu babar dormindo do seu ombro, ou as cólicas torturantes. Sim. O chico começa a dar sinal que está próximo. E você não tem absorventes na bolsa. Aliás, que bolsa? Pânico. E se o Rodrigo Santoro acha a sua bolsa e vê aquela sua foto 3x4 com um olho meio aberto e o outro fechado? Adeus, Rodrigo. Rodrigo? Tá sonhando? Você lembra que esqueceu a bolsa em casa, que esqueceu de alimentar o cachorro, e que talvez tenha esquecido o fogão aceso. Seus pés começam a congelar e o nariz a escorrer.

Bronca do chefe pelo atraso - ele brigou com a amante. E desconta em você - . Cólicas.

Almoço. Ou quase isso. Você só tem uns trocados no bolso e um vale-transporte. Pra piorar, topa com a ex-namorada do seu marido. Ela impecavelmente seca, elegante e magra. E de carro. E ri. De você, lógico.

Acaba o expediente. A mesma tortura na volta. Uma diferença: você não sente mais seus dedos dos pés ( que estão brancos, murchos e agora têm um odor estranho). Isso até é bom, comparado às cólicas.

Chega em casa, louca por um banho quente. Seu marido está animadinho. Dever matrimonial. Tudo até que ia bem, até descobrir que ele quer que você seja Pamela Anderson aquela noite. Beleza, o sutiã com enchimentos te sufoca levemente, e você se sente um pouco ridícula com aquela peruca loira e as unhas postiças. Mas é só fechar os olhos e imaginar que ele é o Maurício Mattar. Você escuta um nome... Não é o seu! É o da magra, elegante e seca do carro... você agora tem certeza de que ela riu de você não só por você estar molhada e despencada. Você percebe que ele terminou porque já começaram os roncos.

Pode ser pior?

Pode. Você esqueceu de tomar anticoncepcional. DE NOVO.